Se precisasse, eu definiria a vida como complexidade e contingência. Contingente é aquilo que não é impossível, mas também não é necessário. Já complexo é aquilo que tem mais possibilidades do que podemos controlar. É o tipo de coisa que nos incomoda, nós que procuramos tanto uma certeza, uma certa solidez. Nem sempre o mundo foi assim, mas hoje é.
Negar a incerteza que nos cerca é a defesa mais comum. Nos enganamos, agarrados firmemente em alguma crença ou esperança que só tem fundamento em nossas próprias cabeças. E quando esse fiapo de constância se desfaz, não sobra nada além de desespero. Isso é o que acontece com Tom, o personagem de Joseph Gordon-Levitt no excelente "500 dias com ela". O rapaz é um romântico desses incuráveis, cresceu ouvindo sobre o amor nas músicas melosas das rádios e nas comédias românticas da TV e por isso acredita no amor verdadeiro, em encontrar a garota certa e ser feliz pra sempre. E quando ele encontra Summer (Zooey Deschanel, chuchu), imagina ter se deparado com a tão falada mulher de sua vida. O problema é que Summer não é bem o tipo de garota que se apega. A apresentação feita pelo narrador representa perfeitamente como ela é, "uma garota que só ama duas coisas: seu cabelo e o modo como pode cortá-lo sem sentir nada". Ela não acreditava nessa história de amor e não era muito ligada a relacionamentos. Ou ao menos ela se via assim.
1 ano, 4 meses e 15 dias é o tempo necessário para que Tom conheça, goste, se apaixone, ame, se magoe, chore, odeie e supere Summer. E depois desses 16 meses e meio, acaba não aprendendo nada na verdade. Desde o começo ele é infantil, sua irmã mais nova é que lhe dá os conselhos para lidar com a amada, mais que isso, ele rapidamente assume o papel que em um filme do gênero normalmente seria da mulher. Ele chora e sofre pela frieza de Summer e aparece sempre como o mais frágil dos dois. É algo incomum em um filme, mas irritantemente normal na realidade. Summer, por outro lado, tem a forte consciência de que os relacionamentos simplesmente um dia acabam, mesmo sem culpa de ninguém. A vida simplesmente é assim. Do ponto de vista dela, portanto, é melhor não sentir nada por ninguém, ao menos nada muito profundo, e assim evitar uma dor certa.
Isso tudo pode ser difícil de ver em um filme, mas é quase regra na vida real. Por algum motivo, nós assumimos a postura de uma criança mimada diante da volatilidade que encaramos por aí. Nos seguramos firmemente a um sentimento ideal e fazemos de tudo pra não deixá-lo ir, mesmo que isso signifique matar a liberdade do outro. E então ficamos perdidos encarando nossas mãos vazias quando a ideia se desfaz no ar. E daí fazemos o que? Esperneamos e choramos, como isso pudesse de alguma forma resolver a situação. No lado oposto, a Summer não passa da versão exagerada de metade da população mundial, que evita o apego pra evitar a dor, que prefere não sentir nada a ter que aguentar o sofrimento que vem no mesmo pacote que a felicidade.
A grande dificuldade em caminhar no terreno escorregadio que temos sob os pés é que insistimos em olhar pra frente, temendo ou esperando pelo futuro, ou em olhar pra trás, nos arrependendo ou suspirando pelo passado. Tom era incapaz de aproveitar o tempo que passava com Summer porque estava sempre se preocupando se eles continuariam juntos depois. Ele não vivia o agora, ocupado que estava com o amanhã. Enquanto isso, Summer tira o máximo dos momentos com o rapaz, apesar de sentir falta de uma certeza que acaba encontrando só no fim do filme. Não sei bem que certeza é essa, afinal se eu soubesse teria uma resposta que todos os homens procuram. Mas se fosse chutar, diria que Summer queria sentir que aqueles momentos, ou melhor, que o sentimento por trás deles, se repetiriam sem perder força. E ela não é fria ou má por isso. Ela é como todas as outras garotas são e sempre foram, talvez de maneira caricaturada, apenas.
É por isso que não culpo a Summer pelo sofrimento de Tom. Ele se machucou tanto por se recusar a entender que a vida nunca nos prometeu nada, que estamos todos sujeitos a amargar algumas perdas dolorosas. Mas isso não é motivo para dar razão à ela e evitar envolvimentos. Pelo contrário, a consciência da fugacidade possível e provável das relações só aumenta a necessidade de experimentar com intensidade, de aproveitar o que temos da melhor maneira. Com o foco no agora, podemos viver bem cada instante do que talvez - e só talvez - dure indefinidamente.
E mesmo em 500 dias ele não entendeu isso.
6 comentários:
1 ano, 4 meses e 15 dias - isso me lembra muitíssimo Gabriel Garcia Marques
alguém me falou nesse filme, achei bem interessante, mas ainda não vi.
entretanto, discordo em diversos pontos:
1 - não acho que há tantos homens assim.
2 - às vezes a decepção é tão grande que nem compensa os momentos de felicidade
3 - felicidades de mentira não adiantam
4 - muita gente pode vir com aquele papo de "infinito enquanto dure", mas não acho que encarar tudo como simplesmente uma fase da vida resolva alguma coisa
5 - não pensar no futuro ou no passado é uma utopia
mas eu só sou uma frustrada, desconsidere o que eu digo.
agora você deu pra proteger essas vadiazinhas?
enfim, eu também dou uma certa razão a elas, afinal, elas nem sequer se tocam do que fazem, um erro de tipo penal.
Tenho aprendido uma coisa nas minhas últimas experiências: Não existe regras em relacionamentos. Nunca se sabe o que acontecerá.
promova o desapego! é o meu lema xD
Promova o desapego [2]
Ah cara, estamos na tal "geração fast-food", td vem rapido, e acaba rapido (da pra tirar outras conclusões de "fast-food", se é que você me entende hehe)
Mas concordo com você que é aguniante imaginar que existe uma chance - nada remota - de não conseguir montar uma família grande e feliz. (achei isso um tanto implicito na ultima frase do post)
"às vezes a decepção é tão grande que nem compensa os momentos de felicidade"
Pena que isso também é uma verdade.
E que os homens tem tomado o papel "feminino" da relação, de chorar e correr atrás, espernear...enquanto as mulheres são as destruidoras de coração.
Johnatan, essa tocou fundo. De verdade.
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