Esboço de inverno - Parte III
No outro dia a história se repetiu, e no outro, e no outro. Durante vários dias, Júlio ia até a velha pracinha bem mais tarde que o normal. Aos poucos ele foi percebendo que a todo momento a imagem daquela garota tomava conta de seus pensamentos, e a cada minuto a vontade de vê-la, e enfim tocá-la, crescia mais e mais.
Em uma certa tarde, quando Júlio chegou à praça, ela estava vazia, como não via há muito tempo. Um aperto lhe subiu ao coração, melancolicamente sentou-se no banco e começou a traçar novamente aquele rosto já tão conhecido. Sentia, sem entender, um vazio dentro de si. Até que um pequeno e alvo floco de neve caiu sobre seu caderno. Ele levantou a cabeça e viu que pequenos pontos brancos começavam a marcar o cenário da praça e que do outro lado, pela rua oposta à que ele usara, vinha caminhando a garota que invadia a todo instante sua mente.
Sentiu então uma alegria subir novamente pelo seu peito e corar-lhe as faces, sempre tão brancas e frias quanto a neve que se espalhava. A menina sentou novamente no banco oposto ao dele e ficou a mirar o chão. Ela parecia muito triste, mas um lindo sorriso veio quebrar aquela melancólica imagem, e novamente a garota pôs-se em estado de vigília, como que a esperar alguém. Exatamente como fazia todos os dias.
Júlio rasgou o desenho anterior, que fizera de memória, e passou a traçar o rosto que, vívido, posava à sua frente. A lapiseira escura parecia dançar sobre o papel e o desenho surgia como a estatua que, liberta pelas mãos do escultor, surge do bruto mármore. Com uma fluidez inédita o desenho apareceu em pouquíssimo tempo. Por último restavam os olhos, nunca antes retratados. O garoto observou atentamente os olhos que passeavam furtivos pela praça e num frêmito de inspiração lançou o grafite sobre o papel. Aquele brilho, aquele verde... cada detalhe era percebido e copiado, toda a paixão de seu coração parecia verter sobre a folha branca. Pronto! Pela primeira vez, um desenho completo de sua musa! O orgulho invadia sua alma e deleitando-se com a própria obra, ou melhor, com o retrato fiel da bela obra divina, Júlio, extasiado, ficou a admirar a beleza que lhe servira de inspiração. A noite caiu serena e quando a lua cheia mostrou sua face branca por entre as árvores, a menina levantou-se e caminhou lentamente pelo caminho por que viera. Júlio viu, ou achou ter visto, uma pequena lágrima rolar cristalina por sua face. “Quem quer que ela esteja esperando é um idiota por fazer isso!!” e, talvez encorajado pela súbita raiva que lhe veio misturada com uma forte impressão de que não veria mais a garota, levantou-se e correu até ela.
_Olá..._disse em tom vacilante_ É tarde da noite, e está nevando, por favor, deixe eu te acompanhar até sua casa, pode ser perigoso você andar sozinha._ Ao contrário das expectativas de Júlio a menina respondeu com um radiante “Sim!”. Calado, Júlio seguiu ao lado dela, que ia calada também, apenas cantarolando alguma coisa enquanto dava largas passadas. “Ela é alta. Quase da minha altura” pensou. _Err, você sempre vem nessa praça? Eu achava esse lugar tão vazio..._ perguntou _Não, vim a primeira vez há alguns dias, depois tenho voltado diariamente. _ Depois disso Júlio não conseguiu articular nada para falar.
Após uma breve caminhada, A menina parou em frente a uma casa muito grande e bonita, e disse _ Eu moro aqui. Obrigado pela companhia._ Hm... ok..._ disse o tímido garoto. Os dois se olharam nos olhos uns poucos e desconcertantes segundos e então a garota quebrou o silêncio dizendo: _ Bom, vou entrando, tchau_ em seu rosto, um sorriso que Júlio, se fosse um pouco mais ousado, diria que apenas escondia uma certa frustração. Em um segundo passaram mil coisas pela cabeça de Júlio mas por fim uma única palavra ressoou em sua mente como o badalo de um sino: “AGORA!”. Quando a menina se virou e agilmente fez menção de se dirigir à porta, o garoto tomou sua mão. _ Qual o seu nome?_ disse com o rosto em chamas _ Flávia _ respondeu a menina. _Flávia...de algum modo, eu... eu... acho que te amo. Todos esses dias eu te vi, e cada vez mais eu lembrava de você, até que um dia percebi que já não conseguia mais parar de pensar em você... desculpe.
A menina parou. Ambos olhavam rigidamente o chão. _ Acho que foi uma coincidência muito feliz eu ter ido naquela praça, justo naquele dia tão frio..._ O menino loiro e magrelo, de óculos pretos de armação grossa, levantou surpreso o olhar, incapaz de dizer algo. _Bom, preciso mesmo entrar._ disse Flávia dando um passo para trás _Es-espere... todos os dias... você parecia esperar alguém, quem era?_ replicou o menino. _ Ora _ respondeu a garota, com um pequeno sorriso e um leve rubor marcando a face _ tava esperando você falar comigo..._ e correndo entrou em casa.
A neve continuava a cair suave nos ombros do garoto. Parado, como que em choque. Um sorriso se desenhou em seus lábios, e correndo voltou para a praça. Quanta alegria sentia aquele frágil coração jovem! Parou em frente à estátua de um velho herói que vigiava, sempre alerta, a praça que o acolhia. Ofegante o garoto encarou a pedra fria e imaginou ter percebido um certo olhar de cumplicidade, então virou-se e caminhou, ainda sorridente, para casa. “Até amanhã à noite, meu camarada”, pensou.
Fim
E esse é o fim amigos. Decepcionados? Eu prometi que escreveria, não que seria bem... Anyway, espero que tenham pelo menos tomado como um passatempo. Teve muita coisa óbvia no texto né, nem precisava ter escrito. Whatever, aos pouquinho fico aqui, no meu canto, escrevendo e escrevendo, quem sabe um dia saia alguma coisa digna de nota.
Bom, obrigado pelo apoio, meus 3 queridos leitores.Até a vista, meus caros.