terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Esboço de Inverno - Parte II

Esboço de Inverno - Parte II


Júlio os desenhou a primeira vez, mas não gostou. Faltava alguma coisa. Apagou e recomeçou. Novamente lhes faltava algo. Apagou. Por mais duas vezes tentou esboçar aqueles olhos brilhantes e não conseguiu. Havia uma luz neles que parecia estar acima da habilidade de Júlio retratar. Decidiu que no desenho ela ficaria de olhos fechados. Estava pronto. Um belo desenho, “melhor que desenhar estátuas” pensou o garoto.

Sem que percebesse duas horas haviam se passado e a noite já ia escura. A luz do poste permitia a Júlio continuar acrescentando, orgulhoso de sua obra, pequenos floreios ao retrato da menina. Muito tempo se passou assim, e já bem tarde Júlio viu, por cima de seu caderno, em uma das espiadas que discretamente dava, a menina se levantando pra sair. “Coitada deve ter cansado de esperar alguém. Um namorado, por certo.”. Melancolicamente a menina saiu caminhando em direção a uma das avenidas que levavam a praça. “Será que eu não devia me oferecer pra acompanhá-la? Pode ser perigoso ficar por ai sozinha à noite”. Mas ponderando que ela poderia se assustar mais ainda com um estranho oferecendo companhia, desistiu da idéia. Realmente era uma bela garota, mas Júlio não deu muita importância ao caso. Fechou seu caderno e rumou para casa.

No outro dia, ia saindo direto da escola para a praça, como de hábito. Porém alguma coisa o fez mudar de idéia. Não sentiu muita vontade de ficar sozinho na praça como todos os dias. Então resolveu ficar na escola, lendo alguma coisa na biblioteca, já que não tinha muita coisa melhor pra fazer.

À tardinha, saindo da escola, resolveu caminhar até a praça. E novamente lá estava a garota ruiva, com seu casaco pesado e gorro colorido. Como da última vez, Júlio sentou-se em um banco do lado contrário e começou a desenhar. No seu caderno foi tomando forma uma figura feminina, alta e graciosa. Desenhou primeiro o corpo, da maneira como a garota estava, sentada, com os braços cruzados junto ao corpo, protegendo-se do frio. Mas hoje Júlio reparou melhor em seu rosto, nas pequenas imperfeições. A menina não parecia mais tão distante e perfeita. Enquanto desenhava, Júlio pensou em como aquela menina que encantara tanto ontem, podia parecer tão comum hoje. Em sua mente passavam a todo instante os pequenos defeitos que ele transferia agora para o papel. Apenas os olhos, tão brilhantes que pareciam ter luz própria, continuavam misteriosamente imaculados. Além de impossíveis de desenhar. Mais uma vez, o retrato teria os olhos fechados, “quem sabe um dia eu consiga mostrar toda beleza desses olhos” pensou.

Pronto, terminara o desenho. Com certeza superava o anterior. Esse desenho tinha vida, parecia mais real. Mas mesmo com o desenho pronto, Júlio não queria ir embora. Queria ficar ali e observar a garota mais um pouco. E o tempo foi passando. A menina dava a forte impressão de estar esperando alguém, quem seria afinal? “Deve ser um cara bem bobo, pra deixar uma garota assim esperando!” pensava Júlio. Já estava tarde e precisava ir embora, mas Júlio não queria deixar a menina sozinha na praça. No fundo, no fundo, sabia mesmo é que queria passar mais um tempinho mirando aqueles olhos.

Tarde da noite, a menina levantou-se com um ar abatido e se foi, logo após o rapaz abandonou a praça ao seu silêncio habitual.


Continua... última parte amanhã.

Um comentário:

Nanda disse...

Ei, Júlio...
Acho que a ruivinha está esperando por vc.
Fica esperto, hein!

=*****